PATRIMONIALISMO E POLÍCIA

Publicado em 30 de Nov de -1
PATRIMONIALISMO E POLÍCIA

 

Os quinhentos e poucos anos de história do Brasil foram marcados por uma luta intensa entre a elite dominante conservadora e imensas camadas da população que lutam por dias melhores em que as riquezas desta terra sejam usufruídas pelo seu povo. O país é rico em termos de grandezas econômicas e se mantém séculos a fio com os níveis de desigualdade social mais alto do mundo. Análises que priorizam os aspectos culturais ou psicológicos não conseguem vislumbrar as causas do atraso do capitalismo brasileiro, responsabilizando ora a colonização portuguesa, ora a miscigenação racial, ora as decisões não iluminadas de imperador “a” ou “b”, de general “c” ou “d”. O processo de colonização das terras brasileiras por Portugal apresentou um fato inédito na história com a transferência da administração do país colonizador para a colônia. Este fato contribuiu para um fator destacado quando se fala no processo histórico brasileiro, o patrimonialismo.

O patrimonialismo é característica normal nas monarquias antigas que funcionavam muito bem no feudalismo. Lá o patrimônio do Estado se confundia com as propriedades dos reis e rainhas, senhores feudais, chegando o direito de propriedade a atingir os servos e suas famílias. Essa confusão entre o patrimônio público e o privado em seus diversos graus é o que caracteriza o patrimonialismo. Desde dos atos, comuns nos tempos da monarquia, de um rei utilizar das riquezas do país em suas mordomias, até os atos, comuns nos dias de hoje, de um funcionário público que se aproveita de seu cargo para auferir pequenas vantagens. Pode-se dizer que as transferências de dinheiro público para pagar as taxas exorbitantes da selic aos rentistas ou até o uso de policiamento em atividades festas de caráter privado e com fito de lucro serem fatos que denotam este fenômeno.

Essa confusão entre o público e o privado é comum a todas as sociedades, segundo Bernardo Sorg:

 

o patrimonialismo esta presente, em maior ou menor grau, em todas as sociedades onde a distribuição de riqueza e poder é desigual. Neste sentido, a análise do patrimonialismo brasileiro, em vez de referir-se a um fenômeno folclórico em um país “atrasado”, pode permitir avançar na compreensão de um traço presente em todas as sociedades contemporâneas. (Sorj, 2000, 16)

 

O patrimonialismo brasileiro teve sempre predominância na prática política das elites e esta não se arrefeceu com a instituição da república, sendo mantido pela estrutura do coronelismo em elevado grau até poucas décadas. Segundo o professor Basílio de Magalhães, citado por Victor Nunes Leal, o coronelismo “deve incontestavelmente a remota origem do seu sentido translato aos autênticos ou falsos coronéis da extinta Guarda Nacional”. E prossegue: “Com efeito, além dos que realmente ocupavam nela o posto, o tratamento de “coronel” começou desde logo a ser dado pelos sertanejos a todo e qualquer chefe político, a todo e qualquer potentado.” (Leal, 1949, 19). O conservadorismo das elites, as transições políticas inacabadas, o capitalismo dependente, o patrimonialismo a sugar as riquezas da nação para determinados grupos resultaram num país de desníveis sociais abismais.

Raymundo Faoro acredita que o patrimonialismo é um óbice ao desenvolvimento capitalista:

 

Esta realidade, impedindo a calculabilidade e a racionalidade tem efeito estabilizador sobre a economia. Dela, com seu arbítrio e seu desperdício de consumo, não flui o capitalismo industrial, nem com este se compatibiliza. O capitalismo possível será politicamente orientado – a empresa do príncipe para alegria da corte e do estado-maior de domínio que a aprisona. A indústria, a agricultura, a produção, a colonização será obra do soberano, por ele orientada, evocada, estimulada, do alto em benefício nominal da nação. (Faoro, 1987,85).

 

Prossegue em sua análise da transição das sociedades tipicamente feudais e das sociedades com características patrimonialistas:

 

O patrimonialismo pessoal se converte em patrimonialismo estatal, que adota o mercantilismo como a técnica de operação da economia. Daí se arma o capitalismo político, ou o capitalismo politicamente orientado (…) A compatibilidade do moderno capitalismo com esse quadro tradicional, equivocadamente identificado ao pré-capitalismo, é uma das chaves da compreensão do fenômeno histórico português-brasileiro, ao logo de muitos séculos de assédio do núcleo ativo e expansivo da economia mundial, centrado em mercados condutores, numa pressão de for a para dentro. (…) Enquanto o sistema feudal separa-se do capitalismo, enrijecendo-se antes de partir-se, o patrimonialismo se amolda às transições, às mudanças, em caráter flexivelmente estabilizador do modelo externo… (Faoro, 2000,737).

 

Toda a estrutura do estado brasileiro funciona nesta direção. A polícia, e todos os órgãos de repressão deste período histórico, agem defendendo a elite dominante e respaldando a sangria de recursos públicos para a propriedade privada. Conforme evidencia Holloway:

 

no início do século, a polícia funcionava como extensão, sancionada pelo Estado, do domínio da classe proprietária sobre as pessoas que lhe pertenciam. A polícia cresceu acostumada a tratar escravos e as classes inferiores livres de maneira semelhante, e, com a diminuição gradativa do número de escravos na população após meados do século, as atitudes e práticas do sistema de repressão foram aos poucos sendo transferidas para as classes inferiores não-escravas – e perduraram. (Holloway, 1997, 215)

 

 

TEXTO DE LOURISMAR DUARTE, EM REPRESSÃO E PROTEÇÃO, UMA VISÃO DIALÉTICA DA INSTITUIÇÃO POLICIAL

 

 

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